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terça-feira, 15 de maio de 2018

Resenha crítica do filme "Capitão Fantástico"

Por Laura Lucy Dias

Classificação: 14 Anos

Para começar quero dizer que é um ótimo filme, trazendo os questionamentos do extremismo com seu final fantástico, que mostra que o que mais vale é o equilíbrio e o respeito.
Porém, precisamos falar sobre Leslie, a morta. Eu leio o filme como uma denúncia grave sobre as condições da mulher na sociedade, e tão grave que mostra que a mulher é invisível.
Não negarei spoilers, e por isso começo a falar da introdução do filme, que se dá a nos fazer simpatizar com a família que vive na floresta, de forma quase militar. Ligados a ideias de esquerda, e confesso que fiquei encantada com o ensino das crianças baseado na verdade, leitura e reflexão. O protagonismo e a independência eram claras como foco da educação do grupo.
E eu via aquilo tudo e me perguntava o tempo todo: "Onde está a mulher?"
Tudo começa com o Bo caçando um alce, para o seu ritual de passagem, no qual o pai o define como homem. Guardem esse momento, pois ele é importante para a revelação do papel da mulher na sociedade.
 Ela nem nos foi apresentada. Na manhã seguinte, quando Ben vai com o seu filho mais velho Bo, à cidade mais próxima, os outros filhos cobram uma posição sobre o retorno da mãe, que estava longe há três meses e duas semanas, segundo diz uma de suas filhas.
Ao ligar para a casa na qual a mulher deveria estar, a irmã dela informa que na noite anterior, Leslie se suicidou, cortando os pulsos. Então nós descobrimos que na verdade o filme é contado do ponto de vista do Ben. Isso é muito importante também, já que por isso sabemos muito pouco do que é Leslie.
A família de um homem e mais seis filhos não é aceita no funeral devido às mágoas do pai de Leslie, que não deseja o homem lá, já que ele culpa Ben pelo estado da filha, que estava em sua casa para tratamento. E, segundo Ben, Leslie tinha deficiência em seus neurotransmissores, que não levavam para o cérebro a serotonina. Depois descobrimos que ela tinha transtorno bipolar. Ainda mais adiante descobrimos, pela narrativa de Ben, que ela tinha desenvolvido esse transtorno depois de ter o Bo, provavelmente resultante de uma depressão pós-parto.
Em continuidade da história da família antes do suicídio de Leslie, descobrimos que eles resolveram sair do sistema social vigente quando Bo tinha entre 3 e 4 anos, no entanto apenas se estabeleceram na floresta, quando ele tinha oito anos.
Vivendo de forma isolada, educando os filhos em casa, com um olhar estrangeiro e superior para a sociedade que eles menosprezavam, desdenhando práticas religiosas, capitalistas, industriais, dentre outras. Esse desdém vem ilustrado quando no banco uma das crianças mais jovens questiona sobre o peso das demais pessoas, gordas, que estão no ambiente. Eles começam a caçoar e são repreendidos por eles mesmos, e arrematam dizendo que só caçoam dos católicos.
Eles resolvem ir ao funeral, mesmo com o risco de Ben perder a guarda dos filhos, sob a ameaça de que a polícia seria chamada. Antes disso ele sonha com Leslie, a mulher do sonho está feliz e denota concordar com tudo o que há em torno deles, uma clara postura do olhar de Ben sobre a esposa dele, a primeira aparição é uma idealização do homem sobre a mulher, e uma idealização dela em relação a ele mesmo, pois o ponto de partida dele para o mundo dele e suas convicções incluem a Leslie que o apoiava.
Ela será enterrada, mesmo contra o seu desejo, pelo pai. Há a única voz da mulher pelo testamento dela, Ben e seus filhos decidem conceder o desejo da mulher morta, cremá-la e jogar as cinzas em uma privada pública, depois de dançarem e cantarem em seu enterro. Esse é o único momento em que todos da família dela, sem contar os pais, a ouvem. Ela viveu muitos anos sofrendo desde momentos de euforia extrema até à desolação catatônica, e aqui eu vejo uma relação com o Anticristo - filme de Lars Von Trier -, quando o marido diz que achou que conseguiria ajudar sua esposa sem o tratamento convencional e os medicamentos. A relação é a mesma que há quando o marido decide cuidar da esposa doente pela perda do filho, assim como Leslie perde o filho quando ele vira homem. A mudança para essa vida extrema era uma maneira de ajudar a mulher se curar, segundo ele.
Ela não era ouvida e passou a agir de forma subversiva, principalmente com o filho Bo, apoiando-o a fazer provas de aptidão para as faculdades mais renomadas dos EUA, sem que Ben, o pai, participasse ou entendesse, o que segundo ele era uma situação inferior, já que ele entendia que ninguém conseguiria ensinar mais nada ao filho, melhor formado pelos pais que por qualquer instituição Estatal ou privada.
Essa mulher que é mãe e suicida, tem uma morte de virgem, com os braços cortados, o sangue que vem é como o sangue da pureza e do sacrifício, ela morre como a mais pura mulher, antes mesmo de ser a mulher, já que o problema dela é ser mulher, e estar diante de uma sociedade extrema em que em nenhum momento a deixou ser, permanecer ou viver em paz.
Seu pai a oprimiu com o extremo capitalismo, seu esposo a oprimiu com a extrema ideologia de esquerda e ela não pode ter o que mais queria, que era um meio termo. Antes de se suicidar ela já estava morta e a sua morte vem no momento em que ela deixa de ser mãe, visto que se mata no dia em que o filho mais velho, aquele com o qual ela teve a primeira relação materna, vem a tornar-se homem. Esse rompimento mostra que ela suportou o máximo que pode, porém, não mais que isso, quiçá que ela estava presa como mulher ao papel materno.
Toda a saga se dá quando a família decide ir ao funeral e cremar a mãe. E mesmo assim não foi dada a devida voz à mulher. Depois de ser enterrada, contra a sua vontade, o filho do meio, o mais agressivo, com uma atuação estupenda no momento da notícia da morte da mãe, acaba decidindo ficar com o avô, pois ele sabia que o pai não tinha dado à mãe ouvidos, filho tãl que não se adequava ao sistema adotado pela família e que não sabia expressar-se sobre o que estava errado, mas percebia que algo estava fora dos eixos em relação a mãe. Esse garoto acaba revelando ao pai o quanto ele estava sendo extremista e o enfrenta, como há de ser contra qualquer ditadura.
Ao tentar "sequestrar" o filho, uma das meninas acaba por cair e se ferir, e Ben decide deixar as crianças com o avô, pois ele nunca foi capaz de cuidar bem dos filhos, segundo as perspectivas gerais e a sua própria no momento atual, e a mulher não desejava que eles continuassem a viver de forma extrema, mais uma vez negando o desejo da mulher.
Quando Ben cede, ele ouve a mulher e aí ela pode contracenar, mesmo que apenas como um corpo morto em um caixão, uma cena linda e revoltante, do ponto de vista dos sacrifícios que uma mulher deve fazer para ser ouvida. A sua cremação é o ritual de passagem daquela família para uma nova etapa de relação social com as outras pessoas e o mundo a sua volta.
Ao invés de ingressar em uma faculdade filho mais velho resolve viajar, deixando de lado os planos dos pais, remetendo ao verdadeiro impacto do ritual de passagem, pois ele como homem se desvincula da família e se torna um indivíduo descaracterizado do que foi formado e passa a incorporar aquela formação em si, como um indivíduo esférico e não mais plano. Ele passa a ter identidade própria e não a ser um pedaço do pai ou da mãe que se propaga pela Terra, o que em geral é uma aberração.
Ela aparece no filme 3 vezes, duas em sonho com o marido e o corpo dela sendo levado do cemitério, representada por fotos do seu casamento, durante o restante do filme é apenas uma sombra e que jaz sendo honrada, desonrada, desejada, idealizada, repudiada, exposta, ignorada... tudo, menos ouvida.
Acredito que a crítica à condição feminina está aí, mesmo que não seja clara, dentro dessa mudez reservada à mulher dentro de qualquer sistema, seja ele capitalista ou comunista, visto que ambos são patriarcais.

Acho que agora só nos resta a comemorar o aniversário de Chomsky.



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