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sexta-feira, 29 de junho de 2018

quinta-feira, 28 de junho de 2018

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Sentimento do Mundo, Carlos Drummond de Andrade

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.


Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.


Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.


Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer


esse amanhecer
mais noite que a noite.

sábado, 23 de junho de 2018

Coruja

                   
Beatriz Yasmin

As Vantagens de Ser Invisível

Gisele Silva




O livro As Vantagens de Ser Invisível, de Stephen Chbosky, que é um autor estadunidense, que, além de escritor é cineasta, é um livro incrível que fala sobre muitas questões que passamos no correr da adolescência, medos, desilusões, encontros, desencontros, alegrias, tristezas... 
Num primeiro momento ele pode parecer ser meio bobo, mas é de uma profundidade imensa, ele é escrito em cartas, onde o narrador Charlie, conta sua vida durante um ano para uma pessoa que ele não conhece e provavelmente nunca vá conhecer. Charlie passou por momentos delicados em sua vida, um garoto fechado, sem amigos e seu único amigo comete suicídio e ele nunca descobre a causa, já que seu amigo se foi sem nunca deixar margem do que possa ter lhe causado tanta dor.
Ao iniciar o Ensino Médio, Charlie encontra um casal de irmãos (Patrick e Sam) e logo vira amigo deles, passando a viver histórias encantadoras e a finalmente começar a fazer parte de um grupo, Charlie se apaixona por Sam, a irmã, mas acaba namorando outra garota do grupo e por conta disso acaba armando problemas que ele não consegue resolver prontamente, assim como todos nós já passamos ou vamos passar por esse tipo de situação. Ele volta a se isolar, voltando a amizade com os amigos com o passar do tempo, ao defender seu amigo de problemas com relação a preconceito. Além da temática morte, temos também a questão do homossexualismo, já que Patrick é gay e tem um caso com outro garoto que tem namorada e é popular, além de ser daqueles machões jogadores de futebol americano. Patrick vai a diversos lugares onde se pode encontrar um par, podemos perceber que a sociedade, tanto a estadunidense quanto a nossa, ainda é muito preconceituosa com relação a esse assunto. E talvez uma das temáticas mais dramáticas e complicadas da trama se encontra na questão do abuso sexual tanto em mulheres quanto a pedofilia, isso é falado suavemente no livro, devido ao fato de serem cartas, Charlie tenta ser o mais fiel e com o cuidado de não ofender seu leitor e, ao ler, ficamos estarrecidos com o fato e como a mente humana pode esconder determinadas coisas que passamos durante a infância, trazendo a tona com apenas um gesto.
O que mais impressiona na leitura são os livros que Charlie lê durante o romance e as músicas que escuta. Seu professor de Inglês vê seu potencial e lhe dá livros maravilhosos para que ele leia e faça trabalhos em cima desses livros, leituras que são magníficas para se aprender mais sobre a vida e superar anos que podem ser os melhores, mas também o mais carregados que possamos ter. Não são livros de autoajuda, como temos visto nas livrarias e sim clássicos da literatura universal, como O Apanhador no Campo de CenteioHamlet e On The Road. As músicas que ele escuta e costuma gravar em fitas K7 - sim em fitas k7 -, são lindas, sua banda predileta é The Smiths, com suas letras tristes, mas que falam exatamente o que estamos sentindo em determinados momentos.
Por fim, Charlie, depois de uma grande crise decide viver, decide conhecer outros mundos e outras pessoas, fazer sua vida valer a pena e superar seus medos e fracassos, como todos nós acabamos fazendo em algum momento de nossas vidas.
 Um livro encantador e profundo que pode ajudar a nos entender e a entender o mundo, fazer pensar e agir sobre ele de forma mais consciente e de forma leve. Leia com carinho e poderá se beneficiar muito, seja adulto ou adolescente.

18/2/2013

Beatriz Yasmin se apresenta

    Venho me apresentar como nova autora no blogue e na página da Cultreco, Sou Beatriz Yasmim, tenho 12 anos e faço parte do Clã dos Cabeças, grupo do projeto de desenho da professora Laura. Eu sempre desenhei, escolhia desenhos como os personagens de A hora de aventura ou algum Kawaii fofo, e isso me deixa mais calma e em paz. Se seguirei alguma profissão na área ainda é muito cedo para pensar, porém, eu não quero parar de desenhar.
                         
                                       




                                       

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Venha ver o pôr do sol, Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles

Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na quietude da tarde.
Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinham um jeito jovial de estudante.
– Minha querida Raquel.
Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.
– Vejam que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que idéia, Ricardo, que idéia! Tive que descer do taxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima.
Ele sorriu entre malicioso e ingênuo.
– Jamais, não é? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece nessa elegância…Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete-léguas, lembra?
– Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui? – perguntou ela, guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro. – Hem?!
– Ah, Raquel… – e ele tomou-a pelo braço rindo.
– Você está uma coisa de linda. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e dourado…Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse perfume. Então fiz mal?
– Podia ter escolhido um outro lugar, não? – Abrandara a voz – E que é isso aí? Um cemitério?
Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
– Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo – acrescentou, lançando um olhar às crianças rodando na sua ciranda. Ela tragou lentamente. Soprou a fumaça na cara do companheiro. Sorriu. – Ricardo e suas idéias. E agora? Qual é o programa?
Brandamente ele a tomou pela cintura.
– Conheço bem tudo isso, minha gente está enterrada aí. Vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo.
Perplexa, ela encarou-o um instante. E vergou a cabeça para trás numa risada.
– Ver o pôr do sol!…Ah, meu Deus…Fabuloso, fabuloso!…Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério…
Ele riu também, afetando encabulamento como um menino pilhado em falta.
– Raquel minha querida, não faça assim comigo. Você sabe que eu gostaria era de te levar ao meu apartamento, mas fiquei mais pobre ainda, como se isso fosse possível. Moro agora numa pensão horrenda, a dona é uma Medusa que vive espiando pelo buraco da fechadura…
– E você acha que eu iria?
– Não se zangue, sei que não iria, você está sendo fidelíssima. Então pensei, se pudéssemos conversar um instante numa rua afastada…- disse ele, aproximando-se mais. Acariciou-lhe o braço com as pontas dos dedos. Ficou sério. E aos poucos, inúmeras rugazinhas foram se formando em redor dos seus olhos ligeiramente apertados. Os leques de rugas se aprofundaram numa expressão astuta. Não era nesse instante tão jovem como aparentava. Mas logo sorriu e a rede de rugas desapareceu sem deixar vestígio. Voltou-lhe novamente o ar inexperiente e meio desatento –Você fez bem em vir.
– Quer dizer que o programa… E não podíamos tomar alguma coisa num bar?
– Estou sem dinheiro, meu anjo, vê se entende.
– Mas eu pago.
– Com o dinheiro dele? Prefiro beber formicida. Escolhi este passeio porque é de graça e muito decente, não pode haver passeio mais decente, não concorda comigo? Até romântico.
Ela olhou em redor. Puxou o braço que ele apertava.
– Foi um risco enorme Ricardo. Ele é ciumentíssimo. Está farto de saber que tive meus casos. Se nos pilha juntos, então sim, quero ver se alguma das suas fabulosas idéias vai me consertar a vida.
– Mas me lembrei deste lugar justamente porque não quero que você se arrisque, meu anjo. Não tem lugar mais discreto do que um cemitério abandonado, veja, completamente abandonado – prosseguiu ele, abrindo o portão. Os velhos gonzos gemeram. – Jamais seu amigo ou um amigo do seu amigo saberá que estivemos aqui.
– É um risco enorme, já disse . Não insista nessas brincadeiras, por favor. E se vem um enterro? Não suporto enterros.
– Mas enterro de quem? Raquel, Raquel, quantas vezes preciso repetir a mesma coisa?! Há séculos ninguém mais é enterrado aqui, acho que nem os ossos sobraram, que bobagem. Vem comigo, pode me dar o braço, não tenha medo…
O mato rasteiro dominava tudo. E, não satisfeito de ter se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrando-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira alamedas de pedregulhos esverdinhados, como se quisesse com a sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte. Foram andando vagarosamente pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos medalhões de retratos esmaltados.
– É imenso, hem? E tão miserável, nunca vi um cemitério mais miserável, é deprimente – exclamou ela atirando a ponta do cigarro na direção de um anjinho de cabeça decepada.- Vamos embora, Ricardo, chega.
– Ah, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei onde foi que eu li, a beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da tarde, está no crepúsculo, nesse meio-tom, nessa ambigüidade. Estou lhe dando um crepúsculo numa bandeja e você se queixa.
– Não gosto de cemitério, já disse. E ainda mais cemitério pobre.
Delicadamente ele beijou-lhe a mão.
– Você prometeu dar um fim de tarde a este seu escravo.
– É, mas fiz mal. Pode ser muito engraçado, mas não quero me arriscar mais.
– Ele é tão rico assim?
– Riquíssimo. Vai me levar agora numa viagem fabulosa até o Oriente. Já ouviu falar no Oriente? Vamos até o Oriente, meu caro…
Ele apanhou um pedregulho e fechou-o na mão. A pequenina rede de rugas voltou a se estender em redor dos seus olhos. A fisionomia, tão aberta e lisa, repentinamente escureceu, envelhecida. Mas logo o sorriso reapareceu e as rugazinhas sumiram.
– Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra?
Recostando a cabeça no ombro do homem, ela retardou o passo.
– Sabe Ricardo, acho que você é mesmo tantã…Mas, apesar de tudo, tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele! Palavra que, quando penso, não entendo até hoje como agüentei tanto, imagine um ano.
– É que você tinha lido A dama das Camélias, ficou assim toda frágil, toda sentimental. E agora? Que romance você está lendo agora. Hem?
– Nenhum – respondeu ela, franzindo os lábios. Deteve-se para ler a inscrição de uma laje despedaçada:
– A minha querida esposa, eternas saudades – leu em voz baixa. Fez um muxoxo.- Pois sim. Durou pouco essa eternidade.
Ele atirou o pedregulho num canteiro ressequido.
Mas é esse abandono na morte que faz o encanto disto. Não se encontra mais a menor intervenção dos vivos, a estúpida intervenção dos vivos. Veja- disse, apontando uma sepultura fendida, a erva daninha brotando insólita de dentro da fenda -, o musgo já cobriu o nome na pedra. Por cima do musgo, ainda virão as raízes, depois as folhas…Esta a morte perfeita, nem lembrança, nem saudade, nem o nome sequer. Nem isso.
Ela aconchegou-se mais a ele. Bocejou.
– Está bem, mas agora vamos embora que já me diverti muito, faz tempo que não me divirto tanto, só mesmo um cara como você podia me fazer divertir assim – Deu-lhe um rápido beijo na face. – Chega Ricardo, quero ir embora.
– Mais alguns passos…
– Mas este cemitério não acaba mais, já andamos quilômetros! – Olhou para atrás. – Nunca andei tanto, Ricardo, vou ficar exausta.
– A boa vida te deixou preguiçosa. Que feio – lamentou ele, impelindo-a para frente. – Dobrando esta alameda, fica o jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol. – E, tomando-a pela cintura: – Sabe, Raquel, andei muitas vezes por aqui de mãos dadas com minha prima. Tínhamos então doze anos. Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí, de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas.
– Sua prima também?
– Também. Morreu quando completou quinze anos. Não era propriamente bonita, mas tinha uns olhos…Eram assim verdes como os seus, parecidos com os seus. Extraordinário, Raquel, extraordinário como vocês duas…Penso agora que toda a beleza dela residia apenas nos olhos, assim meio oblíquos, como os seus.
– Vocês se amaram?
– Ela me amou. Foi a única criatura que…- Fez um gesto. – Enfim não tem importância.
Raquel tirou-lhe o cigarro, tragou e depois devolveu-o
– Eu gostei de você, Ricardo.
– E eu te amei. E te amo ainda. Percebe agora a diferença?
Um pássaro rompeu o cipreste e soltou um grito. Ela estremeceu.
– Esfriou, não? Vamos embora.
– Já chegamos, meu anjo. Aqui estão meus mortos.
Pararam diante de uma capelinha coberta de alto a baixo por uma trepadeira selvagem, que a envolvia num furioso abraço de cipós e folhas. A estreita porta rangeu quando ele a abriu de par em par. A luz invadiu um cubículo de paredes enegrecidas, cheias de estrias de antigas goteiras. No centro do cubículo, um altar meio desmantelado, coberto por uma toalha que adquirira a cor do tempo. Dois vasos de desbotada opalina ladeavam um tosco crucifixo de madeira. Entre os braços da cruz, uma aranha tecera dois triângulos de teias já rompidas, pendendo como farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombro do Cristo. Na parede lateral, à direita da porta, uma portinhola de ferro dando acesso para uma escada de pedra, descendo em caracol para a catacumba.
Ela entrou na ponta dos pés, evitando roçar mesmo de leve naqueles restos da capelinha.
– Que triste é isto, Ricardo. Nunca mais você esteve aqui?
Ele tocou na face da imagem recoberta de poeira. Sorriu melancólico.
– Sei que você gostaria de encontrar tudo limpinho, flores nos vasos, velas, sinais da minha dedicação, certo?
– Mas já disse que o que eu mais amo neste cemitério é precisamente esse abandono, esta solidão. As pontes com o outro mundo foram cortadas e aqui a morte se isolou total. Absoluta.
Ela adiantou-se e espiou através das enferrujadas barras de ferro da portinhola. Na semi-obscuridade do subsolo, os gavetões se estendiam ao longo das quatro paredes que formavam um estreito retângulo cinzento.
– E lá embaixo?
– Pois lá estão as gavetas. E, nas gavetas, minhas raízes. Pó, meu anjo, pó- murmurou ele. Abriu a portinhola e desceu a escada. Aproximou-se de uma gaveta no centro da parede, segurando firme na alça de bronze, como se fosse puxá-la. – A cômoda de pedra. Não é grandiosa?
Detendo-se no topo da escada, ela inclinou-se mais para ver melhor.
– Todas estas gavetas estão cheias?
– Cheias?…- Sorriu.- Só as que tem o retrato e a inscrição, está vendo? Nesta está o retrato da minha mãe, aqui ficou minha mãe- prosseguiu ele, tocando com as pontas dos dedos num medalhão esmaltado, embutido no centro da gaveta.
Ela cruzou os braços. Falou baixinho, um ligeiro tremor na voz.
– Vamos, Ricardo, vamos.
– Você está com medo?
– Claro que não, estou é com frio. Suba e vamos embora, estou com frio!
Ele não respondeu. Adiantara-se até um dos gavetões na parede oposta e acendeu um fósforo. Inclinou-se para o medalhão frouxamente iluminado:
– A priminha Maria Emília. Lembro-me até do dia em que tirou esse retrato. Foi umas duas semanas antes de morrer… Prendeu os cabelos com uma fita azul e vejo-a se exibir, estou bonita? Estou bonita?…- Falava agora consigo mesmo, doce e gravemente.- Não, não é que fosse bonita, mas os olhos…Venha ver, Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus.
Ela desceu a escada, encolhendo-se para não esbarrar em nada.
– Que frio que faz aqui. E que escuro, não estou enxergando…
Acendendo outro fósforo, ele ofereceu-o à companheira.
– Pegue, dá para ver muito bem…- Afastou-se para o lado.- Repare nos olhos.
– Mas estão tão desbotados, mal se vê que é uma moça…- Antes da chama se apagar, aproximou-a da inscrição feita na pedra. Leu em voz alta, lentamente.- Maria Emília, nascida em vinte de maio de mil oitocentos e falecida…- Deixou cair o palito e ficou um instante imóvel – Mas esta não podia ser sua namorada, morreu há mais de cem anos! Seu menti…
Um baque metálico decepou-lhe a palavra pelo meio. Olhou em redor. A peça estava deserta. Voltou o olhar para a escada. No topo, Ricardo a observava por detrás da portinhola fechada. Tinha seu sorriso meio inocente, meio malicioso.
– Isto nunca foi o jazigo da sua família, seu mentiroso? Brincadeira mais cretina! – exclamou ela, subindo rapidamente a escada. – Não tem graça nenhuma, ouviu?
Ele esperou que ela chegasse quase a tocar o trinco da portinhola de ferro. Então deu uma volta à chave, arrancou-a da fechadura e saltou para trás.
– Ricardo, abre isto imediatamente! Vamos, imediatamente! – ordenou, torcendo o trinco.- Detesto esse tipo de brincadeira, você sabe disso. Seu idiota! É no que dá seguir a cabeça de um idiota desses. Brincadeira mais estúpida!
– Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na porta. Depois, vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo.
Ela sacudia a portinhola.
– Ricardo, chega, já disse! Chega! Abre imediatamente, imediatamente!- Sacudiu a portinhola com mais força ainda, agarrou-se a ela, dependurando-se por entre as grades. Ficou ofegante, os olhos cheios de lágrimas. Ensaiou um sorriso. – Ouça, meu bem, foi engraçadíssimo, mas agora preciso ir mesmo, vamos, abra…
Ele já não sorria. Estava sério, os olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em leque.
– Boa noite, Raquel.
– Chega, Ricardo! Você vai me pagar!… – gritou ela, estendendo os braços por entre as grades, tentando agarrá-lo.- Cretino! Me dá a chave desta porcaria, vamos!- exigiu, examinando a fechadura nova em folha. Examinou em seguida as grades cobertas por uma crosta de ferrugem. Imobilizou-se. Foi erguendo o olhar até a chave que ele balançava pela argola, como um pêndulo. Encarou-o, apertando contra a grade a face sem cor. Esbugalhou os olhos num espasmo e amoleceu o corpo. Foi escorregando.
– Não, não…
Voltado ainda para ela, ele chegara até a porta e abriu os braços. Foi puxando as duas folhas escancaradas.
– Boa noite, meu anjo.
Os lábios dela se pregavam um ao outro, como se entre eles houvesse cola. Os olhos rodavam pesadamente numa expressão embrutecida.
– Não…
Guardando a chave no bolso, ele retomou o caminho percorrido. No breve silêncio, o som dos pedregulhos se entrechocando úmidos sob seus sapatos. E, de repente, o grito medonho, inumano:
– NÃO!




Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes aos de um animal sendo estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos, abafados como se viessem das profundezas da terra. Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora qualquer chamado.
Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira. Crianças ao longe brincavam de roda.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga


Fungghi secchi ao molho

Sabor                     ★★★★☆
Aparência               ★★★★★
Textura                   ★★★★★
Perfume                 ★★★★★


Ingredientes

50g de fungghi secchi
50g de fungghi secchi chileno (ele que dá essa cor toda)
1/4 xícara de molho de tomate pronto
Água da hidratação dos cogumelos
Fumaça líquida a gosto
Tempero para refogar o cogumelo a gosto
Azeite para refogar o cogumelo
1/4 de xícara de farinha para engrossar

Peparo

Hidrate os cogumelos (coloquei todos juntos, cobri com água quente e deixei). 
Depois de esfriar, com as mãos, tire o excesso de água apertando-os. Não jogue nada da água fora, ela será o molho.
Em uma panela coloque os temperos e o azeite que utilizará para refogar os cogumelos, eu usei tempero pronto (alho, cebola e sal) por isso na foto não aparece nada.



Em seguida acrescente a água da hidratação, cheia de nutrientes, e deixe ferver em fogo baixo por um tempo, quando o cheiro estiver perfumando a casa, acrescente o molho de tomate e deixe reduzir o volume mais um pouco.



Eu coloquei muito azeite, por isso tanto brilho... falha nossa.
Quando estiver com o volume que deseja, em uma peneira coloque a farinha e vá polvilhando sobre a panela para não empelotar, polvilha um pouco e mexe, e assim vai até acabar a farinha. 




Logo começará a engrossar, pelo processo do trigo, usei farinha comum. Quando desligar o fogo, acrescente a fumaça líquida e acerte o sal.








sexta-feira, 15 de junho de 2018

Será o Bob Esponja o novo Sansão?


Esta resenha compara a analisa “A revolução dos bichos” de  George Orwell e o desenho animado “Bob Esponja”, relacionando as personagens Sanção e Bob Esponja no viés de hereditariedade sobre o trabalho e a perspectiva de cada um, visto que um precede ao outro como representantes de suas gerações.



O livro é um romance distópico que mostra uma fazenda na qual os porcos lideram uma revolução dos animais, como força de trabalho, contra o homem, donos da fazenda, como proprietários dos meios de produção. O cavalo Sansão se destaca pela as força física, honra, dedicação e submissão ao novo sistema, enquanto sonha com a sua aposentadoria justa e longínqua.



 O desenho animado apresenta uma sociedade na qual as conquistas da geração de Sansão, no campo dos direitos dos trabalhadores avançou a ponto de continuar a mesma coisa – talvez desde aquela época, não é mesmo? -, porém, o meio de manipulação não é mãos o desejo pela aposentadoria vindoura, e sim o amor pela logomarca, o patriotismo exacerbado pelo estabelecimento empregatício e alienação tamanha que a folga passa a ser um problema para o trabalhador e o empregador  - dono do meio de produção – que necessita manter as aparências, às vezes busca resolver e se depara diversas vezes om a personagem do Bob Esponja burlando o sistema de direitos do trabalhador para trabalhar no dia de folga.
Não lembro se foi só um episódio, ou se foi deslumbramento na época em que vi o desenho pela primeira vez, e ainda chorava a morte de Sansão pela leitura recente do livro, todavia, minha opinião não mudou, apenas vejo melhor o quanto a mídia, a meritocracia, o capitalismo e o exagero de políticas liberalistas acabam oportunizando sempre e sempre uma vida dedicada ao trabalho e ao capital.
(Reescrita da resenha do meu blogue anterior, texto de 2014 anda disponível lá)


Artista Laura Lucy


terça-feira, 12 de junho de 2018

Dia dos namorados


Dia dos namorados


Dia dos namorados



Dia dos namorados


Dia dos namorados


Chega de ninini


Dia dos namorados


Dia dos namorados



Dia dos namorados


quinta-feira, 7 de junho de 2018

“A Hospedeira” de Stephanie Meyer, para pensar sobre nós mesmos


      O romance foi escrito por Stephanie Meyer, a autora consagrada pela saga Crepúsculo, que foi ao cinema e conquistou milhares de leitores e também, como era de se esperar, houve milhares de críticas. Publicado em 2008 já vendeu inúmeras cópias pelo mundo e agora irá para as telonas.
Meyer é estadunidense e formada em literatura inglesa e A Hospedeira é sua primeira obra que foge da temática presente em Crepúsculo. O livro é uma ficção científica que tem um belo romance em seu enredo e com inúmeras dificuldades, o que nos faz refletir sobre muitos aspectos humanos e muitas de nossas atitudes.
Por mais que seja um livro de leitura fácil, e uma história que não é tão surpreendente, pois muitos já falaram sobre a vinda de outros seres para a terra, de destruição da humanidade, entre outros. Ela inova nos transformando em hospedeiros de "almas" alienígenas, que vem se "hospedando" em outros seres em vários outros planetas, como de golfinhos, aranhas e flores.
Para eles a experiência é única, pois nunca sentiram as emoções que os humanos sentem e eles têm um agravante que não temos, a bondade. Eles não precisam pagar por suas compras, não ultrapassam o limite de velocidade, não mentem e ajudam uns aos outros. É claro que temos o outro lado da moeda, nós, os humanos, perdemos nossos corpos e sumimos para sempre desse mundo sem fim. Alguns deles não saem dos seus corpos, convivem juntamente com esses parasitas alienígenas e são chamados de rebeldes, pois são tão fortes que não saem do seu próprio corpo com facilidade, é isso que acontece com Peg e Melanie. Peg se hospeda no corpo de Melanie que se recusa a sair e as duas passam a conviver no mesmo corpo, vivendo os mesmos sentimentos. Com isso elas passam a correr atrás dos humanos que Melanie tanto ama, que estão escondidos e não as acolhe da melhor maneira possível e aí se inicia a trama que dá inúmeras voltas fantásticas, inclusive algumas reflexões, sobre nós humanos, sobre o que é ser humano, porque é tão fantástico e porque é tão triste também. 
         Caímos mais uma vez na questão do amor, pois foi ele quem levou Melanie a não sair de seu corpo e, de certa forma, fazer com que Peg fosse buscar os entes de sua hospedeira. E por amor a eles, temos diversos sacrifícios, diversas discussões. O amor pelo outro, que quase não mais vemos por aí, o amor pela vida, a garra de querer estar consigo quando vemos as pessoas enxergarem só o próximo, apontar somente o que o próximo tem de melhor ou pior e sem olharmos para nossas virtudes e tristezas. É um romance para que possamos olhar dentro de nós e vermos o quanto somos importantes. Não é auto ajuda, longe disso, mas as leituras precisam despertar alguma coisa dentro da gente e essa história não é melosa como crepúsculo, ela é mais densa e mais pesada também. Há quem não acredite em vida longe da terra, mas será que não seria muita pretensão pensar que estamos sós?


Por Gisele Souza
29/1/2013

sexta-feira, 1 de junho de 2018

O corvo

Edgar Allan Poe
Tradução de Machado de Assis

Em certo dia, à hora, à hora
Ilustração de Édouard Manet (FONTE)

Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Ilustração de Gustave Doré (FONTE)

Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora.
E que ninguém chamará mais.

E o rumor triste, vago, brando
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto, e: "Com efeito,
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós, — ou senhor ou senhora,
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo, prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta;
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, como um suspiro escasso,

Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro coa alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma cousa que sussurra. Abramos,
Ilustração de James Willian Carlling (FONTE)
Eia, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso,
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar as suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo, — o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "O tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais;
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o corvo disse: "Nunca mais".

Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Cousa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".

No entanto, o corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda a sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o corvo disse: "Nunca mais!"

Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais".

Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera,
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais".

Assim posto, devaneando,
Meditando, conjeturando,
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava.
Conjeturando fui, tranquilo a gosto,
Com a cabeça no macio encosto
Onde os raios da lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o corvo disse: "Nunca mais".

“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o corvo disse: "Nunca mais".

“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais,
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!”
E o corvo disse: "Nunca mais."

“Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o corvo disse: "Nunca mais".

E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e, fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!