Laura Lucy Dias
21/1/2016
Olá povo lindo, hoje vamos falar sobre
achar coisas engraçadas, suas implicações e possíveis níveis. Sou nada para
ficar divagando aqui sobre isso, mas é claro que voltarei o tema para a linha
dos produtos da Cultreco, que são as nossas tiras, vídeos (em breve), charges,
e tudo o mais que der na telha.
Quero divagar sobre o assunto,
utilizando de pesquisa e minha experiência pessoal com as situações engraçadas,
engraçadas para mim, engraçadas para os outros e não para mim, engraçadas para
a maioria e não para mim, engraçado para mim e não para a maioria, e assim vai
até o 42
(ops, olha uma referência engraçada para mim e outros poucos).
Começando por algo que eu sentia mas
não conseguia explicar e lendo esta reportagem na Hypescience
consegui entender melhor, desejo citar o trecho que fala da risada e o motivo de coisas serem engraçadas, para
nós, humanos:
A risada proveniente do
humor em humanos pode ser dividido em estágios. Quando estamos ouvindo uma
piada a primeira parte do humor é o fim da piada, que é um final incongruente. Depois a
mente começa a solucionar o problema para interpretar a incongruência ou
surpresa. Finalmente o cérebro consegue estimar estes passo que juntos formam o
humor e evocam a resposta da risada.
Nós achamos engraçado aquilo que
destoa de padrões (modelos, paradigmas), ou do que esperamos que aconteça, ou
ainda, para tentar explicar “o que não é normal”. Na verdade, se posso
acrescentar, o que achamos engraçado é o inesperado, muito mais do que aquilo
que seja “estranho”, neste caso, para esclarecer o que acho, a incongruência vem
no limiar de algo inesperado que pode ser estranho, destoante, fora do padrão,
mas não necessariamente algo vulgar.
Referência ao Pequeno Príncipe - Trabalho de Lucy |
Chegamos no ponto. A vulgaridade da incongruência.
Quanta palavra hard, não é? Isso é
para dizer que há um nível[1] de vulgaridade da incongruência
que pode chegar ao ridículo e eu não acho outro termo para substituir o inculto[2]
de forma mais correta, pois de fato não é apenas falta de cultura como
conhecimento, mas sim de cultura como relação com o outro sem se preocupar em
tratar com chacota. É... o velho e muito utilizado “perco a amizade, mas não
perco a piada!”, espera: COMO ASSIM?
Fazer chacota com o outro é a reação
primária de comédia, utilizada por grandes mestres de uma maneira genial desde
os primórdios da arte, mas muito mal utilizada hoje e por pesoas nada
geniais... ou geniais do ponto de vista da perversidade. Isso era e é feito de
uma maneira que leva o público a entender de maneiras diferentes os
estereótipos diversos que são utilizados para regular (ditar regras) de como o
público deve agir, como por exemplo: você prefere ser o bobo da corte ou o herói?
O bobo da corte é um estereotipo do ridículo, e quando é utilizado busca
mostrar para você como certas coisas não devem ser feitas para que você não
seja intitulado de ridículo.
Os estereótipos[3] são difundidos de diversas
maneiras em nossa sociedade e a comédia é o jeito mais eficaz de levar a todos as
regras sociais da sua cultura. Quando você ridiculariza ou faz chacota de
alguém está desempenhando um papel que é de dominação e pode fazer por diversos
motivos, por isso é que acredito que o nível mais baixo da comédia é a chacota.
Nossos costumes culturais e sociais
acabam nos dando pistas de como inferir
certas coisas e erramos muito até aprendermos. Segundo Matthew Hurley, parafraseado no artigo de
Flávio Sallem, podemos citar integralmente:
[...] nosso cérebro
toma conhecimento de nosso dia-a-dia via uma série de suposições intermináveis
baseadas em informações incompletas e esparsas. Ou seja, o cérebro toma
palpites do mundo, o que nos simplifica o mundo, nos dá insight (conhecimento
de si mesmo) crítico das mentes dos outros, e canalizam nossas decisões. Mas
erros acabam por ser inevitáveis, e mesmo uma minúscula suposição errada pode
abrir portas para erros maiores e mais custosos.
Sendo assim, nós buscamos entender
algo que é “estranho”, como o final inesperado da piada, e o processo cognitivo
(que envolve nossas gamas de cunho social, emotivo, psicológico, de conhecimento,
etc) dá-nos a sensação de engraçado para regulamentar o nosso comportamento e a
nossa relação com as coisas que são diferentes do que esperamos, ou mais ou
menos isso.
Quando alguém cai, li uma vez e não
lembro onde, o impulso de rir é uma maneira biológica e impulsiva de avisar ao
nosso grupo de que houve um acidente, porém, está tudo bem com o integrante do
grupo. O que o cara da queda sente é outra coisa a se pesquisar.
Esse nível é quase animal, por isso
entendo que é um nível inicial da relação da comédia e do engraçado. Quando a chacota
vem penas pela chacota criamos uma comédia extremamente sem finalidade de
regulamentação que não a nossa própria necessidade de atenção e falta de boas
maneiras de lidar com as inferências que realizamos nos diversos campos de relações
de nossas vidas. Fazer chacota de alguém pode acabar trazendo uma relação de
poder entre as pessoas envolvidas, o que em geral necessita de plateia.
Falar de dominação e manipulação não é
o tema principal aqui, mas de fato não pode passar despercebido, assim como
qualquer coisa que o ser humano faz e acaba por transformar para se beneficiar
com aquilo, seja de maneira perversa ou não.
Quando temos conhecimentos maiores do
mundo em que a coisa engraçada (tira, charge, queda, filme, escolinha do
professor Raimundo – vish – piada nerd, piada sobre física quântica e assim por
diante) é gerada, seja como informação, reflexão, conhecimento de causa ou o
que mais for necessário, aquilo que é engraçado e inesperado torna-se algo
diferente, um nível diferente de humor. Se eu faço uma piada sobre a resposta
para a pergunta primordial sobre a vida, o universo e tudo mais e você não
entende, não irá encontrar o estranho, inferir e corrigir essa informação
inesperada em sua cabeça, impedindo-o de rir no final.
Por isso, aquilo que eu não acho
engraçado e você acha engraçado provém de experiências pessoais e de nossa
individualidade (assim como nossa coletividade, certamente), e quanto menos
achamos as coisas mais entendidas engraçadas pelo grupo, talvez tenhamos uma
capacidade diferenciada de refletir sobre aquilo: piada racista, sexista, homofóbica
e demais tipos que trazem a ridicularizarão para segregar e não para trazer
reflexão, e que acaba alienando
o grupo maior em prol do grupo menor (aquele que tem interesse de dominar e
manipular para se beneficiar perversamente) e não gera reflexão, apenas regulamenta
o comportamento de um grupo em relação ao outro grupo. Isso também é ferramenta
do FASCISMO.
Falando do fascismo e da onda do
fascismo que se utiliza da piada preconceituosa, podemos citar a Marcia
Tiburi e a questão do empobrecimento e do autoritarismo. O autoritarismo se
dá quando nós aceitamos uma verdade como nossa e a impomos ao outro, e a
comédia facilita fazer com que mais pessoas agreguem a nossa verdade a si e a
tomem como a sua e a reproduzam, a filósofa diz que a : “[...] Interrupção que
se dá, por sua vez, pelo empobrecimento das condições nas quais o diálogo
poderia acontecer [...]”. A questão do diálogo é a relação direta sobre receber
uma mensagem e interagir com ela de maneira a refletir e devolver uma reflexão
que não seja a de aceitação pura do que foi imposto, já o fascista interrompe o
diálogo de forma autoritária e com imposição. Sendo assim, quando esses
programas de televisão de ridicularizarão
(que ainda não foram citados aqui) chegam com uma afirmação e se dizem
autoridade do assunto e apenas aceitamos aquilo por não sermos especialistas e
nos sentirmos, geralmente, incapazes de refletir sobre aquilo passamos a aceitar a incongruência de maneira
dócil.
Veja o artigo sobre manipulação e dominação
aqui, ele começa com a “Estratégia da diversão”, não sei se o artigo é original dessa página, mas veja o que diz:
Elemento indispensável
ao controle social, a estratégia da diversão consiste em desviar a atenção do
público dos problemas mais importantes e das modificações decididas pelas
elites políticas e econômicas, graças a uma enxurrada ininterrupta de
distrações e informações insignificantes. Se você observar bem a maior emissora
de TV do Brasil cada vez mais adota um tom divertido em praticamente todos os
seus programas, induzindo a população a encarar a realidade como algo lúdico.
É uma maneira de
infantilizar o público, visto que o lúdico é mais fácil de
aceitar do que a verdade e os acontecimentos crus. O empobrecimento de que fala
a Marcia Tiburi mostra que “Fechado
em si mesmo, o fascista não pode perceber o ‘comum’ que há entre ele e o outro,
entre ‘eu e tu’. Ele não forma mental e emocionalmente a noção do comum, por
que para que esta noção se estabeleça, dependemos de algo que se estabelece
como uma abertura ao outro.”. Esses programas de humor que não trazem nada além
de “comédia por comédia” não te englobam no comum, te individualiza, segrega
você do outro e diz que você não pode refletir sobre um humor mais rico.
Não achar graça no humor feito pelo
humor pode ser um passo para a sua libertação da alienação segregadora, da
manipulação de opinião e conhecimento e ainda permite que se divirta com coisas
mais “sérias” como a literatura de Machado de Assis, que é extremamente
divertida e ácida, INCONGRUENTE ao extremo.
Ah, acredita que Edgar Allan Poe é
engraçado? Não no sentido comum da piada, mas num nível muito sutil entre a
literatura e a relação do leitor com ela. Você pode enxergar isso lendo o
Ensaio do Poe sobre a sua produção do poema “O corvo”, a maneira que ele divaga
e fala de sua composição é leve e demonstra que o medo não é o objetivo principal
da execução de seu trabalho, ele se divertiu muito ao escrever cada uma de sua
obra. Acho que podemos dizer que o absurdo é a principal incongruência na obra
de Poe, e o como ele nos convence sobre ela e a aceitá-la.
Acredito que Machado também é
engraçado. Se você ainda não leu “O Alienista”, “A cartomante”, “Memórias
póstumas de Bras Cubas”, “A igreja do diabo” entre outros, desconhece o
contexto histórico de produção do autor e ainda não entende muito do que ele
possa falar, achará enfadonho. Mas uma boa ajuda é se importar mais com o
comum, buscar enriquecer a sua relação com o incongruente e ler algumas
análises de alguns leitores para permear a sua reflexão e leitura. Eu sempre
dou muitas risadas lendo Machado, assim como outras emoções que ele causa.
Bem, sobre o humor da Cultreco: já
ouvi dos meus leitores betas (muitos dos quais assistem Pânico na TV) que é um
humor muito nerd, que poucas pessoas
entenderão as referências, muitas vezes não causa a reação da risada imediata, levando
a pensar um pouco sobre ele, e até me disseram “Coitada” sobre a tira da Cassia
Eller e o David Bowie, mas aí está a minha explicação, a incongruência e seu
nível.
OS: Eu amo a Cassia Eller, entendo que
sua música em questão é sobre ser você mesmo, aí é que está a incongruência.
[1] Estou chamando assim por falta de conhecimentos
aprofundados, meu interesse é despertar o seu interesse e reflexão, o aprofundamento
e especialização aqui fica para outro momento da minha parte, e da sua?
[2] Pobreza
de conhecimentos, não burro, hein?!
[3] Pesquise
sobre Carl Jung, outros conceitos que podem ajudar são: inconsciente coletivo e
máscaras de Jung.